sábado, 1 de novembro de 2008

A miragem do hidrogénio

A miragem do hidrogénio
(artigo publicado no Semanário Expreso 27.08.08)


No sucesso de vendas "O Sétimo Selo" de José Rodrigues dos Santos ( Ed. Gradiva), o tema central das aventuras dos seus personagens são as alterações climáticas e o fim do petróleo, para desembocar no bem guardado segredo (o sétimo selo) de que o futuro da humanidade está no hidrogénio (H2) como fonte de energia e na pilha de combustível como seu conversor em electricidade. Curiosamente, o autor garante que todos os factos científicos que invoca são verdadeiros!

Provindo a energia do Sol da fusão do H2, é sedutor imaginar o H2 como a fonte inesgotável de energia no futuro. Aliás, como a NASA utilizou pilhas de combustível a H2, nas naves do projecto Apolo e a General Motors, a BMW, a Honda e tantos outros grandes fabricantes, desenvolveram já veículos automóveis que utilizam o H2 como a sua fonte de energia, a viabilidade prática da utilização do H2 está provada. Todavia, a questão energética chave não está na utilização do H2, mas sim no modo como ele se pode obter. Efectivamente, o H2 não é uma fonte primária de energia, pois não existe de forma livre na natureza, como a energia solar directa ou a energia solar armazenada ao longo de milhões de anos sob a forma de combustíveis fosseis. Por isso, o H2 tem de ser produzido utilizando outras formas de energia e havendo sempre perdas nessa conversão. É por isso que apontar o H2 como solução para a dependência dos combustíveis fósseis não passa de irresponsável miragem, porventura conveniente para alguns.

Existem várias formas de produzir H2, o qual tem muitas utilizações industriais. Cerca de 90% é actualmente obtido a partir de gás natural. A GM tem mesmo uma solução em que o extrai da gasolina. A forma mais promissora, sem recorrer a combustíveis, fósseis é a electrólise da água. A electrólise consiste em separar o H2 e o oxigénio (O) que se encontram na água quimicamente ligados, utilizando electricidade. Uma vez o H2 e o O separados, pode voltar a obter-se electricidade usando uma pilha de combustível que os recombina, mas a electricidade agora produzida é sempre inferior à inicialmente gasta.

Tendo em conta toda a cadeia de processos (e as perdas de energia associadas) que vai da energia primária até às rodas do veículo, constata-se que utilizar o H2 como vector energético agrava os problemas globais de poluição e de emissão de CO2, a menos que a energia primária tenha origem em fontes renováveis. Todavia, pode ter interesse nos transportes, se for obtido localmente por electrólise, utilizando a electricidade produzida localmente ou da rede eléctrica geral. A associação de electrolisadores com fontes intermitentes de energia renovável, como a eólica ou a fotovoltaica, permite também eliminar os efeitos da intermitência, pois utiliza a electricidade, quando produzida em excesso, para obter H2. que é armazenado. Este H2 será posteriormente utilizado para produzir a electricidade em falta por ausência de sol ou de vento suficientes.

José J. Delgado Domingos

Prof. Cat. de Termodinâmica do Instituto Superior Técnico

Presidente do C.A. da Lisboa E-Nova

1 comentário:

Rui Vítor Costa disse...

O estuto do Instituto Superior Técnico arrasa, hoje, os carros a hidrogénio proveniente da electrólise da água e os híbridos, em termos de emissões de CO2, em termos do seu ciclo de vida.
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