sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Diferendo comercial ou batalha política


Hoje, no Jornal Público, por Isabel Arriaga e Cunha.

Por muito que os responsáveis europeus insistam em que o braço-de-ferro entre a Rússia e a Ucrânia sobre o gás é sobretudo um diferendo comercial bilateral, ninguém tem dúvidas de que, nas entrelinhas, se joga uma intensa batalha política.
Não é claro o que move os dois países neste novo diferendo, que já conta com um precedente, pelas mesmas razões, em 2006: o preço de venda do gás russo à Ucrânia, país por onde transitam 80 por cento das exportações russas para a Europa. Tal como em 2006, o desacordo resultou num corte temporário do gás para o resto da Europa, deixando centenas de milhares de europeus sem aquecimento.
Com uma diferença de fundo: em 2006, a Ucrânia recém-saída da sua Revolução Laranja pró- 
-ocidental, emergiu da guerra do gás com uma imagem de vítima da prepotência de Moscovo face aos seus antigos satélites. Ao invés, a Rússia passou a ser encarada pelos europeus - fortemente dependentes do seu petróleo e gás - como um fornecedor de credibilidade duvidosa e que não hesita em utilizar a energia como arma de pressão política. 
Mesmo se estão longe de ter uma posição unificada na matéria, os Vinte e Sete passaram a encarar a sua política energética sob este ângulo, procurando diversificar as suas fontes de abastecimento para reduzir a dependência da Rússia. 
Desta vez, as responsabilidades parecem ser partilhadas.
Joaquin Almunia, comissário europeu responsável pela economia e finanças, resumiu ontem o pensamento dominante em Bruxelas: "No passado, sabemos que, por vezes, a Rússia utilizou o gás como uma arma política, (...) mas também não posso excluir que a Ucrânia tenha uma responsabilidade" na situação actual.
Se é certo, como afirmou Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, que a nova crise porá em causa a credibilidade de russos e ucranianos enquanto países de fornecimento e de trânsito de energia - facto relativamente ao qual a UE terá de tirar as "devidas conclusões" -, também é verdade que ambos poderão esperar que nem tudo sejam prejuízos.
A Ucrânia poderá invocar a sua vulnerabilidade face ao gigantesco vizinho para tentar acelerar o processo da sua aproximação à NATO - que permanece algo hesitante, precisamente para não irritar a Rússia - e à UE. Já Moscovo, que digere mal as ambições ucranianas, poderá fazer valer aos europeus a falta de credibilidade e de fiabilidade de Kiev, de modo, precisamente, a enfraquecer a sua candidatura.
Pelo caminho, e com a UE ao rubro com o corte do gás a vários países-membros, a Ucrânia poderá esperar que a pressão dos Vinte e Sete sobre Moscovo obrigue a Gazprom, o monopólio russo do gás, a baixar os preços.
Moscovo poderá, por seu lado, apoiar-se na nova crise para prosseguir a sua tradicional política de divisão dos europeus para melhor fazer passar os seus interesses, incluindo com a conclusão de acordos individuais com os países desejosos de garantir o seu aprovisionamento. Desta forma, os russos poderão esperar obter um reforço do apoio da UE no plano político - e porventura financeiro - aos seus planos de construção de rotas alternativas ao trânsito pela Ucrânia (e pela Bielorrússia, por onde passam os restantes 20 por cento das exportações russas para a UE). Nesta frente, a grande aposta passa pela construção do polémico gasoduto "Nord Stream" entre a Rússia e a Alemanha pelo mar Báltico. E esperar que, com a nova crise, os protestos dos países "contornados", como a Polónia e os Países Bálticos, tenham cada vez menos ecos no resto da UE.

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